Falta de construtoras acende sinal amarelo para R$ 500 bi em obras
Ações para buscar fornecedores locais, programas de formação e assinatura de contratos antes de encarar uma licitação. É assim que companhias de infraestrutura estão buscando empresas de construção civil Brasil afora para evitar riscos e atrasos justamente por uma oferta reduzida de empreiteiras.
Em jogo estão investimentos da ordem de R$ 500 bilhões para a próxima década em setores como os de ferrovias, rodovias, energia e saneamento, de acordo com projeção da consultoria Alvarez & Marsal (A&M).
A espécie de força-tarefa para desenvolver uma nova carteira de fornecedores em construção e engenharia começou a ser traçada após a Operação Lava-Jato, quando o esquema de corrupção revelado pela Polícia Federal afetou em cheio as grandes construtoras do país.
Esse movimento ganhou ainda mais força após os impactos da Covid-19, quando as empreiteiras, que começavam a sinalizar uma recuperação, voltaram a sofrer com paralisação de obras e aumento dos custos devido à desorganização da cadeia global.
Para se ter uma ideia, de acordo com fontes, o total de empregados das três maiores construtoras — Odebrecht (hoje Novonor), Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa — passou de cerca de 165 mil para os atuais 49 mil colaboradores. Marcos Ganut, sócio-diretor da A&M e líder das áreas de Infraestrutura e Projetos de Capital, destacou que pode ocorrer uma restrição de empresas para executar todo o volume de obras, que é estimado em R$ 500 bilhões na próxima década.
Baixa capacidade
Desde 2019, o governo federal leiloou cem ativos de infraestrutura de transportes, garantindo a contratação de R$ 116,4 bilhões em investimentos, com 49 concessões de aeroportos, 36 arrendamentos portuários, além de sete projetos ferroviários e rodoviários.
— Temos ainda um movimento de aumento de preços com pressão nos custos que começou na Covid e se agravou com a guerra na Ucrânia. Havendo também a recuperação econômica do pós-pandemia, que traz nova pressão. Quando você olha todo esse panorama, ter capacidade de atender todas essas obras será desafiador para a construção civil — diz Ganut.
A Rumo está prestes a iniciar as obras de construção de uma ferrovia de 730 quilômetros em Mato Grosso, com investimento que pode chegar a R$ 15 bilhões. O alto volume de aporte da companhia vem exigindo soluções criativas, segundo Guilherme Penin, vice-presidente de Regulação e Expansão da empresa.
Têm sido feitos roadshows em Mato Grosso para prospectar fornecedores que, em diversos casos têm capacidade técnica, mas pouco capital para tocar uma obra grande.
— Passamos a trabalhar contratos em que seja possível dar condições a essas empresas de tocar uma obra maior, seja com carteira grande de obras espaçadas no tempo ou fornecer aço e concreto para esse fornecedor. E usamos a capacidade da Rumo de maneira que essa empresa não fique estrangulada.
Segundo ele, a estratégia atual ocorre porque há uma reacomodação do espaço que era ocupado pelas empreiteiras mais tradicionais e que começa a ser preenchido por outras empresas:
— É um momento em que, se você tem grandes obras para fazer, você tem alguns desafios para encontrar fornecedores com capacidade para essas grandes obras. Além disso, somam-se dois outros fatores, como custo de capital elevado em função de subida da taxa de juros e a crise na cadeia de suprimentos.
Rui Chammas, diretor-presidente da ISA CTEEP, empresa presente em 17 estados e que opera uma rede de transmissão por onde trafegam 30% da energia elétrica do país, lembra que só os leilões de linhas de transmissão previstos para o ano que vem devem gerar novas obras em torno de R$ 50 bilhões.
— E a obra de uma linha de construção leva quatro anos. Cada empresa tem sua estratégia. A gente não entra em leilão descoberto. Negociamos as condições e conversamos antes de entrar em um leilão — disse ele, destacando que a empresa tem hoje projetos que somam investimentos de R$ 10 bilhões nos próximos cinco anos.
Francisco Bulhões, vice-presidente de Relações Institucionais da Monte Rodovias, empresa que tem três concessões que pertenciam à Odebrecht na Bahia e em Pernambuco, diz que há hoje uma combinação de aumento nos custos dos insumos e baixa oferta de empresas no cenário de construção civil.
—Temos percebido uma escassez desses parceiros. Tivemos dificuldade de achar parceiros em determinadas regiões ao participar de alguns leilões.
Segundo ele, a saída para continuar com os investimentos foi buscar parceiros em diferentes regiões do país como forma de aumentar sua competitividade. Para Claudio Frischtak, sócio da Inter. B, há uma preocupação hoje de faltar construtoras.
— É uma preocupação real porque, ainda que não haja um boom de investimento, há um volume grande de investimento privado em setores como saneamento, rodovias, ferrovias e energia. Houve novas concessões e antecipações de concessões que preveem grande volume de investimento concentrado nos primeiros anos.
Vinda de estrangeiros
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), destaca a falta de grandes obras no país nos últimos anos, a pouca preparação e planejamento das médias construtoras e a baixa capacitação da mão de obra.
— O setor chegou a ter três milhões de vagas, caiu para 1,9 milhão e hoje está em 2,6 milhões. Esse cenário complexo deve se agravar entre 2024 e 2025, quando vai ocorrer o pico das obras.
O setor de saneamento, que ganhou marco regulatório há dois anos, também colocou a menor oferta de empreiteiras no radar. Com investimento anual de cerca de R$ 1 bilhão, a BRK Ambiental vem desenvolvendo uma série de iniciativas para desenvolver os fornecedores como eventos especiais.
Teresa Vernaglia, CEO da empresa, destacou que o cenário hoje não é confortável. Ela lembra que a companhia vem fazendo parcerias com empresas regionais de engenharia. Uma das estratégias, disse ela, é buscar uma parceira já com uma companhia de construção antes de entrar um leilão.
— Criar essas parcerias regionais também é muito importante porque não tem grandes empresas nacionais, o que ajuda a gerar emprego localmente também. Hoje, não tenho problema de obra atrasada, o que não quer dizer que a gente não esteja atento para que isso não aconteça. Isso é um processo de alerta contínuo.
Ex-diretora do BNDES, Marilene Ramos, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Grupo Águas do Brasil, lembra que, tanto pelo volume de concessão nos últimos anos no setor de saneamento quanto pela perspectiva de obras, a falta de empresas poderá vir a se tornar um problema. A empresa tem plano de investimento de R$ 4,7 bilhões ao longo da concessão.
— No caso do saneamento, como as concessões são recentes, não entraram os investimentos maiores. Acredito que as empresas precisam entender melhor essa demanda que está vindo e se preparar para ela. Eventualmente, o mercado vai acabar se abrindo para empresas estrangeiras também, que podem vir e suprir essa demanda, dependendo obviamente da conjuntura internacional.