Mesmo com Casa Verde-Amarela desajustado, imóvel é esperança do PIB no ano
Um dos principais propulsores da economia brasileira durante a pandemia de Covid-19, o setor da construção civil mostrou resiliência surpreendente mesmo frente aos avanços da taxa básica de juros, a Selic, que encarece o crédito imobiliário. Pelo segundo ano consecutivo, esse setor deve crescer acima da média do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Após avançar 7% em 2021, a divulgação do PIB do segundo trimestre mostrou que a construção foi uma das surpresas mais positivas para ajudar no crescimento do país, trazendo uma evolução de 9,9%, o que explica, inclusive, uma certa euforia de investidores com as ações de companhias do setor.
Nem mesmo o desempenho aquém do esperado no primeiro semestre para o Casa Verde e Amarela, programa habitacional que tomou lugar do bem-sucedido Minha Casa, Minha Vida, foi um problema maior para o setor. Mais sensível à queda na renda das famílias e ao aumento da inflação, o programa de habitação social viu o seu volume de lançamentos cair em 28,1% entre o segundo semestre de 2021 e os primeiros seis meses deste ano. “Quem manda na capacidade de compra é o salário das pessoas. Como o salário cresceu menos do que o custo da construção, ocorreu um descaso entre os dois fatores, o que fez despencar as vendas dessa categoria de imóvel no primeiro semestre. O empresário começou a ver que estava parando de vender e interrompeu os lançamentos, com medo de vender só no futuro”, afirma o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, a CBIC, João Carlos Martins.
Depois de mudanças no programa em fevereiro e em maio deste ano, agora, o governo atendeu aos pedidos dos empresários atuantes no setor e espera um ‘boom’ de empreendimentos para 2023. Dentre as mudanças estão a liberação do uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para o pagamento de parcelas do financiamento e a ampliação do prazo de financiamentos de 30 para 35 anos. “A gente bateu o recorde histórico de contratação no mês de julho. Foram 16,3 bilhões de reais em novos contratos de habitação, o que significa um crescimento de 38% em relação a julho de 2021. Além do recorde de julho, em agosto nós já atingimos mais de 600 bilhões de reais em carteira de crédito imobiliário”, diz a presidente da Caixa Econômica Federal, Daniella Marques, que projeta um crescimento de 20% na concessão de crédito por meio do programa do governo no segundo semestre deste ano frente ao mesmo período de 2021. “O ritmo está muito forte. Eu vejo o Brasil entrando em um ciclo virtuoso de crescimento”. Essa expansão, porém, não está garantida, uma vez que houve cortes para o programa no Orçamento enviado pelo governo ao Congresso referente a 2023.
Dados do Ministério do Desenvolvimento Regional apontam para um déficit de 5,9 milhões de moradias no Brasil. Seriam necessários, então, investimentos anuais de 228,7 bilhões de reais para a construção de 1,2 milhão de unidades por ano, até 2030, como uma forma de zerar o déficit habitacional do país. Com essa demanda reprimida, as entidades que acompanham o dia a dia do setor acreditam na prosperidade das vendas em médio e longo prazo, sobretudo nos segmentos voltados à moradia popular e no médio padrão. “Hoje, o nosso principal indicador é o de financiamentos imobiliários, que continua forte. Se, em 2021, 55% dos financiamentos eram de imóveis usados, hoje isso caiu para a ordem de 39%, com a alta da venda de imóveis novos. Isso é um bom sinal”, diz Luiz França, presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
Uma pesquisa da associação em parceria com a consultoria especializada no segmento Brain indica que, mesmo com a alta da taxa de juros, 65% das pessoas dizem continuar à procura de imóveis. “Acima de tudo, isso acontece porque um imóvel é um investimento, um bom ativo também para quem quer se proteger da inflação”, defende França.
Isso pode ajudar a explicar como o setor vem crescendo este ano, consolidando-se como uma das surpresas positivas para o crescimento do PIB, mesmo num momento de queda de 6% no número de unidades lançadas nos primeiros seis meses do ano, segundo dados da CBIC. Os estoques acumulados até aqui e o preço dos imóveis ajudaram o faturamento do mercado crescer 1,4% no mesmo período. Para o segundo semestre, a expectativa é que as incorporadoras voltem a fazer estoque de imóveis.