Industrialização da construção civil pode impulsionar Minha Casa, Minha Vida

Casa construída em 30 dias. Condomínio de três blocos pronto em quatro meses. A construção industrializada reduz o tempo, o custo e os resíduos das obras e é vista por especialistas como um dos caminhos para enfrentar o déficit habitacional no Brasil —estimado hoje em 6 milhões de moradias. A técnica, porém, esbarra no atual sistema tributário.

No modelo off-site, como é conhecida a construção feita fora do canteiro de obras, os imóveis saem de fábrica praticamente prontos, com sistemas elétrico e hidráulicos instalados. A depender do projeto, o nível de industrialização pode chegar a 85%. Nestes casos, louças de banheiros e cozinhas são colocadas ainda em fábrica.

De lá, painéis e módulos são levados para o canteiro, onde serão montados por uma equipe enxuta —cerca de cinco pessoas. Em questão de horas, casas, hospitais e escolas surgem no terreno.

“Conseguimos entregar um hospital com mais de 1.500 m² em 35 dias. Foram cem leitos preparados inicialmente para atendimento emergencial na pandemia”, conta Ronaldo Passeri, CEO da Tecverde.

Em outro projeto, uma escola estadual de Piraquara (PR) foi revitalizada e ganhou novas salas de aula durante o recesso de final de ano. Uma obra que levaria, pelo menos, um ano, foi finalizada em 45 dias.

A construtora também tem em seu currículo um empreendimento de 136 unidades do Minha Casa, Minha Vida planejado e concluído durante 2020. E, no ano passado, lançou um projeto de casa para o mesmo público, com formato que acelera a linha de montagem e permite a entrega de imóveis em um dia.

Além da velocidade, outro grande diferencial dos projetos off-site é a economia. O custo de um empreendimento fabricado nesse modelo pode ser 15% menor do que uma construção em alvenaria, isso já considerando a redução de gastos indiretos no canteiro da obra.

Para especialistas, baratear a construção civil ampliaria o número de projetos habitacionais, principalmente para o Minha Casa, Minha Vida. Em sua retomada, o programa habitacional do governo federal pretende atingir dois milhões de famílias até dezembro de 2026, oferecendo subsídio máximo de R$ 170 mil para novos imóveis.

“Construir em fábrica é mais barato do que na obra e não perde qualidade de jeito nenhum”, afirma Luiz França, presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias).

Por não utilizar argamassa, o modelo off-site se caracteriza como construção à seco. Portanto, permite uma redução significativa no uso de água em comparação à alvenaria.

Os painéis são desenvolvidos em ambiente controlado, sem impacto de sol e chuva, possibilitando um orçamento mais preciso e reduzindo a geração de resíduos a praticamente zero.

“A industrialização é a única forma de baratear com qualidade um produto que valorize no tempo do financiamento. É a forma correta de desenvolver um projeto habitacional sustentável”, diz Eduardo Gorayeb, diretor na Tego Frame Construção e Inovação.

“A produção tem que ser mais rápida e maior do que o crescimento populacional. Com a escassez de mão de obra na construção civil, o problema só tende a piorar. Para reeditar o resultado do primeiro Minha Casa Minha Vida, o cenário teria que ser todo industrializado”, afirma o engenheiro, responsável pela InovaHouse, franqueadora de construção a seco.

A grande barreira para aumentar o nível de industrialização na construção civil está no sistema financeiro, segundo o setor.

“No Brasil, os impostos inviabilizam a construção fora do canteiro. Os empreendedores não conseguem desenvolver projetos economicamente viáveis, por isso não vemos mais projetos off-site”, diz França.

“As incorporadoras estão sempre buscando ganho de eficiência para atingir uma maior escala. Se resolver a questão tributária, novas tecnologias poderão surgir.”

Quando o imóvel é construído na fábrica, a legislação entende que os materiais estão sendo vendidos. Por isso são cobrados das empresas de off-site, além dos tributos tradicionais cobrados também da construção de alvenaria, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

Laura Marcellini, diretora técnica da Abramat (Associação Brasileira da Indústria Materiais de Construção), diz que há falta de isonomia tributária com os sistemas convencionais, e que modelos de financiamento e de contratação também deveriam ser ajustados para a disseminação da construção industrializada.

“Temos muitas tecnologias já disponíveis no mercado brasileiro, mas é necessário vencer essas barreiras de ambiente regulatório”, afirma.

Em relação ao financiamento, a dificuldade está em pagar a obra, de menor duração. “O sistema financia 80% do valor da construção e dá dois anos para amortizar os 20% restantes. Se a obra for concluída em 30 dias, [o construtor] teria que ter esses 20% em um mês. O sistema precisa financiar 100% do valor, como faz com automóvel”, diz Gorayeb.

A Abramat, em parceria com outras entidades da construção civil, defendeu ao Ministério da Economia a expansão da construção industrializada. Em um documento entregue ao ministério, o setor afirma que “a industrialização foi a única solução para cumprir prazos ousados das obras dos recentes eventos esportivos e necessidades urbanas no país”.

Serão criadas novas oportunidades para quem fizer a mudança no ‘mindset’. O que defendemos não é um modelo versus o outro, mas, que se ampliem as opções de tecnologias, que irão conviver lado a lado com as opções hoje existentes em função da grande demanda que o setor tem devido ao déficit de moradias e infraestrutura.

Laura Marcellini
diretora técnica da Abramat

“O maior problema do déficit habitacional é a forma de construção. Algumas cidades dizem não ter como usar certos terrenos por causa de características e localização. Construindo com aço e em peças, como se fosse um Lego, só precisamos de um terreno que não seja muito acidentado”, diz Felipe Ventura, CEO da Opus Construções Modulares.

Ele conta que a empresa construirá em larga escala, a partir de maio, casas de até 54 m² e três quartos, para serem vendidas em fase de acabamento por até R$ 200 mil. O projeto não teve aprovação para entrar no Minha Casa, Minha Vida. “As incorporadoras vêm atrás de nós. O apoio é essencial para aprovar novos métodos construtivos”, afirma Ventura.

O ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, afirma à Folha de São Paulo que o modelo de construção off-site está no radar do governo federal para o novo Minha Casa, Minha Vida. Mas a prioridade é reaquecer o processo do programa habitacional.

“Muitas empresas que atuam nas regiões Norte e Nordeste pararam de construir durante quatro anos. Então muitas saíram do setor. Neste primeiro momento, [o foco] é lançar o FAR [Fundo de Arrendamento Residencial], o modelo tradicional. Na sequência, vamos trabalhar o rural e, depois, vamos pegando esses modelos para estabelecer critérios. Tudo isso está sendo estudado”, diz o ministro.

Ao retomar o Minha Casa, Minha Vida, o governo federal restabeleceu a primeira faixa de renda (até R$ 2.640, por mês) e busca parcerias com estados e municípios para acelerar a entrega de ao menos 170 mil imóveis em residenciais que estão com obras avançadas.

Fonte: Folha de S. Paulo