Desenvolvimento nas metrópoles: a responsabilidade do mercado imobiliário

A pandemia tem colocado dúvidas no desenvolvimento das cidades e sobre como elas devem evoluir daqui em diante. O momento é de incertezas e por isso temos de compreender logo a oportunidade sem precedentes de repensar a maneira como produzimos edifícios e espaços públicos, assim como a forma como eles se conectam com as ruas e com as pessoas. Repensar nossas práticas nunca se fez tão necessário. Gerações anteriores apontavam para uma cidade mais humana. Essa ideia me faz relembrar um pouco da história que conheço e pensar que tipo de história nós, paulistanos de agora, queremos escrever.

Quando criança, lembro de visitas a museus onde havia imagens e maquetes de cidades medievais, com seus muros intransponíveis e torres de onde os guardas se posicionavam para revidar ações de invasores. O que mais me impressionava era imaginar a dificuldade de viver naquela época, a falta de infraestrutura, de água encanada, coleta de esgoto e energia elétrica, coisas que hoje damos como básicas — ou, pelo menos, que assim deveriam ser.

É duro constatar que nós, brasileiros, não evoluímos nesse ponto tanto quanto deveríamos. Em pleno século XXI, metade da população ainda não tem saneamento básico. Milhões de pessoas vivem sob as mesmas condições (ou falta delas) que se vivia nos tempos da Idade Média, não à toa apelidada de Idade das Trevas.

As cidades têm origem exatamente nesse ponto, na percepção de que, ao vivermos próximos uns dos outros, poderíamos ser todos beneficiados por serviços e instalações capazes de melhorar nossa saúde, nossa produtividade e de desenvolver nossos potenciais. A migração urbana demonstra quanto as cidades são polos de atração, sobretudo de quem busca melhores condições de vida e um futuro melhor.

Infelizmente, muitas vezes é nisso que elas falham em oferecer. A evolução das cidades é também uma história de desigualdades, principalmente econômicas e espaciais. Em vez de enfrentar o problema, pessoas com melhores condições financeiras optaram pelo isolacionismo, que prejudica não apenas quem não dispõe das mesmas condições, mas a vida urbana como um todo. Tal como na Idade Média, elas preferem se esconder atrás de muralhas blindadas. O muro pode parecer uma solução fácil à primeira vista, mas é a consolidação de uma série de problemas.

Neste momento de retomada econômica, cabe ao mercado imobiliário assumir sua parcela de responsabilidade no desenvolvimento urbano. Reservar áreas dentro dos empreendimentos para servir de espaço público, oferecer gentilezas urbanas como obras de arte para serem apreciadas ao nível da rua, investir na preservação de imóveis tombados ou mesmo reformar e alargar calçadas traz grandes efeitos positivos coletivos. A pandemia nos mostrou que somos mais vulneráveis do que pensávamos, mas também vem evidenciando nossas forças e capacidade de articulação. Cabe a nós, unidos ao poder público, usá-las a favor de todos.

Outro ponto importante é buscarmos alternativas mais sustentáveis para o nosso setor. A construção de um apartamento é vinte vezes mais poluente no período de obras do que ao longo de toda a sua vida útil. As empresas precisam se conscientizar e enfrentar o problema, reduzindo emissões e compensando seus efeitos com a aquisição de créditos de carbono, algo que já fazemos desde 2008 e que nos permitiu neutralizar mais de 100 000 toneladas, o equivalente a plantar 700 000 árvores ou retirar 20 000 automóveis de circulação durante um ano.

Meus avós desembarcaram no Brasil em 1940, vindos da Polônia. Nesse grupo de imigrantes, havia um jovem que se tornaria uma das principais referências da arquitetura paulistana modernista: Lucjan (Luciano) Korngold (1897-1963). Formado engenheiro-arquiteto em Varsóvia, ele já tinha experiência suficiente para criar algumas das obras mais inovadoras daquela época. Meu avô era industrial e fazia parte de um grupo que investia no mercado imobiliário, valorizando as inovações arquitetônicas da época. Entre os edifícios, fez com Korngold o Vista Alegre, o Rio Claro e o Edifício Higienópolis, um dos primeiros imóveis comercializados na planta, rompendo com o modelo vigente de vender as unidades apenas quando prontas. Pouco tempo atrás, soube por meio da Vejinha que o próprio Korngold morou na cobertura em seus últimos anos de vida.

Houve ainda o desbravamento da Avenida Paulista como centro corporativo. No 7º andar do Edifício Grande Avenida, também de Korngold, fizemos nossa sede. Quando houve o primeiro grande incêndio, foi preciso acomodar a equipe de improviso na laje de outro edifício que vinha sendo construído ali perto. Tivemos o privilégio de trabalhar com Gian Carlo Gasperini (1926-2020) e Carlos Bratke (1942-2017), que também contribuíram com projetos tanto residenciais quanto corporativos.

Anos mais tarde, vislumbramos a chance de conciliar desenvolvimento imobiliário com preservação do patrimônio. Participamos do desenvolvimento do edifício localizado no terreno da Casa das Rosas e pudemos repetir o feito pouco tempo atrás, construindo um imóvel corporativo para conviver com o casarão onde funciona o restaurante Gula Gula, recentemente citado em reportagem da Vejinha sobre preservação do patrimônio.

Todas essas obras seguem reafirmando a importância de criar e manter uma boa relação entre edifícios e cidade, de valorizar seu uso pelas pessoas, de dialogar com o espaço público. É fundamental acreditar na arquitetura e permitir que esses profissionais qualifiquem a inserção dos empreendimentos. Temos orgulho e sabemos da importância de seguirmos trabalhando com nomes de excelência, como Isay Weinfeld, Arthur Casas, Marcio Kogan, aflalo/ gasperini, Perkins&Will e tantos outros.

Foto frontal de Stefan Neuding,
Stefan Neuding, presidente da incorporadora Bramex Realty e vice-presidente da Stan Incorporadora, é diretor da Federação Internacional das Profissões Imobiliárias (Fiabci).
Fonte: VEJA SP