Com Selic no teto, a construção civil está de volta?

Um dos principais setores da economia brasileira é a construção civil. Embora tenha um peso pequeno no Ibovespa, a gama de empresas do segmento listadas na Bolsa brasileira representa amplas camadas da sociedade.

A população tão fragmentada como é a brasileira traz perspectivas diferentes para as companhias das construção civil, embora nenhuma delas tenha passado ilesa pelo processo de contração monetária em que o mundo deve continuar passando.

A precificação de ativos imobiliários acompanha a expectativa dos agentes do mercado para as taxas de juros nos próximos meses ou anos, formando o que é comumente chamado de curva de juros futuros (DI) – e não necessariamente a atual taxa Selic no Brasil.

Conforme a dinâmica inflacionária no país foi sendo arrefecida pela suspensão de impostos, intensificação da oferta de produtos na economia e demanda freada, as taxas de juros futuras também mostraram alívio.

O DI para janeiro de 2025 caiu 2 pontos percentuais desde o dia 21 de julho. O DI para janeiro de 2027, de prazo mais longo, o que, consequentemente, exprime mais risco, reduziu em 2,1 pontos percentuais no mesmo período.

Dá pra dizer que as empresas do setor de construção civil voltaram definitivamente ao radar dos investidores? A maior parte das companhias têm desempenho em Bolsa acima do Ibovespa, a média do mercado, no segundo semestre deste ano.

O que analisar em construção civil

Analistas do mercado costumam analisar as empresas sob dois pontos de vista: top down e bottom up.

O primeiro coloca um fator de importância maior sobre aspectos relacionados à macroeconômica, e como um cenário mais amplo deve beneficiar ou prejudicar setores em pauta.

O segundo método, por sua vez, estuda os fundamentos quantitativos e qualitativos das empresas, os quais serão (ou não) gatilhos para que o desempenho seja superior aos pares, independentemente da economia.

A construção civil é tão sensível a ambos os vieses como poucos setores são, por isso entende-se necessário observar o panorama geral e específico.

Do ponto de vista econômico, o cenário ainda é complexo para as companhias do segmento, sobretudo no que se refere à demanda nas empresas voltadas à média renda.

No primeiro semestre, a Agência TradeMap mostrou que a classe média da sociedade brasileira sofreria mais e, consequentemente, as empresas que lidam com esse público.

Isso porque esse tipo de clientela é mais dependente de crédito, ao contrário da alta renda, que não sofre grandes solavancos com crises econômicas. Já a baixa renda possui subsídios, como o Casa Verde e Amarela, que recentemente foi reformulado.

O arrefecimento das taxas de juros (e redução da Selic a partir do ano que vem) pode trazer uma retomada da demanda da classe média, ao menos sob o ponto de vista da sensação de previsibilidade ao contrair crédito de longo prazo.

Ainda no ambiente macroeconômico, o maior controle da inflação impacta o encarecimento das matérias-primas, aliviando as pressões de custos do setor.

Mesmo com o cenário volátil e pouco convidativo, o desempenho do setor é positivo ao longo deste ano – alvo totalmente não precificado nas ações das empresas durante o primeiro semestre.

No acumulado até maio, as vendas líquidas de empreendimentos de média e alta renda somaram 23,46 mil em total de unidades, alta de 103% em comparação ao mesmo período de 2021, segundo dados das 18 companhias associadas à Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias).

As vendas líquidas de empreendimentos de baixa ficaram levemente acima do intervalo entre janeiro e maio do ano passado, atingindo 62.445 vendas.

Positivamente, a perspectiva se tornou favorável para o médio prazo, tanto do ponto de vista macroeconômico de política monetária, como nas particularidades do setor, que se traduzem na maior poupança da população – que também está mais empregada.

Bottom up

A visão fundamentalista para todos os segmentos do setor de construção civil atualmente é mista, isto é, com perspectivas variadas dentre os modelos de negócio.

No segundo trimestre, a visão geral foi de que as construtoras viram suas margens serem comprimidas, com uma junção de dois fatores negativos em um momento de demanda mais atenuada: custos de construção ainda em alta e aumento do preço da mão de obra.

A principal empresa que atua sobre a camada menos abastada do país é a Tenda (TEND3), que teve prejuízo no segundo trimestre. Do lado positivo, a empresa conseguiu repassar custos aos seus clientes, protegendo sua rentabilidade dentro do possível.

MRV (MRVE3), por sua vez, também tem boa parte de sua operação voltada à baixa renda e viu as mudanças realizadas no Casa Verde e Amarela agradarem.

Entretanto, a empresa tem gerado maiores perspectivas de crescimento e melhorado seus fundamentos com as operações no exterior, surfando o aquecimento do mercado imobiliário nos Estados Unidos. A geração de caixa de Resia (antiga americana AHS Residential) e Luggo (de aluguel de imóveis) é satisfatória.

Do lado da alta renda, a Eztec (EZTC3) é referência. Mesmo colocando um pé no freio, a companhia tem conseguido priorizar sua eficiência e solidificar seus fundamentos.

A margem bruta da empresa é uma das maiores do segmento e se mantém acima de 30% há anos. Atualmente, está em 42%, patamar bem próximo da margem líquida.

A empresa, que tem mais caixa do que dívida, tem preferido reduzir o montante em disponibilidades só para remunerar os investidores recomprando suas ações – um indicativo, inclusive, de que os papéis da incorporadora estão subprecificados.

A empresa paulista encerrou junho com quase R$ 1 bilhão em caixa e aplicações financeiras, sendo que a maior parte de seu endividamento está no longo prazo.

O valor das empresas de construção civil também reside na qualidade do banco de terrenos (landbank) de cada uma. A Eztec tem um banco residencial equivalente a mais de três anos de lançamentos no radar, no valor de R$ 2 bilhões.

No curto prazo, não será necessário gastar recursos com a aquisição de novos terrenos. Com o landbank sob controle, a empresa mostra-se mais segura para dar continuidade aos projetos que façam mais sentido, mesmo que lançar menos agora signifique manutenção de margens.

O mercado de São Paulo é o mais chamativo, pois além de ser o mais aquecido também é o mais rentável, com uma coisa levando a outra. Mas a situação de cada empresa é diferente.

Trisul (TRIS3), que também atua na região, tem tido dificuldades em manter sua geração de valor e eficiência nas operações. Foi registrada uma queda de cinco pontos percentuais, na comparação anual, da margem bruta, para 31,4%.

A companhia também colocou o pé no freio nos lançamentos, adequando a oferta frente à demanda. O movimento do mercado entre 2020 e 2021 foi a aceleração dos lançamentos, vide o baixo custo de produção e financiamento.

Os empreendimentos de média e alta renda demoram cerca de 2,5 anos e 3 anos para ficarem prontos (contra cerca de 2 anos de baixa renda), então as entregas virão à tona agora.

Após entregar dois empreendimentos entre abril e junho, a empresa ainda tem 18 obras em construção (sendo 13 para a alta renda).

A Trisul terminou o segundo trimestre com R$ 2,1 bilhões em estoque, alta de 49% em relação ao mesmo trimestre do ano passado.

O resultado deve ser uma redução da VSO (Venda sobre Oferta, ou velocidade de vendas), que quanto mais alto, maior eficiência da empresa com sua estratégia. Deve ser observada uma redução pontual do indicador dentre as companhias.

Saldo final da construção civil

Em meados da década passada, as empresas estavam crescendo e pensavam que a escala e diversificação em termos nacionais trariam um diferencial competitivo, mas a crise econômica pesou sobre as contas das companhias que estavam endividadas.

Hoje, a regionalização faz parte do cotidiano das companhias, como a Moura Dubeux (MDNE3) no Nordeste, longe do eixo Rio-São Paulo.

Em geral, as estruturas de capital estão melhor organizadas do que há dez anos, fazendo com que o processo de contração monetária brasileira tenha pouco impacto comprometedor no longo prazo.

As estimativas compiladas pela Refinitiv, apresentadas na plataforma do TradeMap, denotam o quanto as ações sofreram nos últimos meses e, mesmo com a alta desde aproximadamente julho, ainda representam boas oportunidades de investimento.

Os olhos dos investidores voltam-se ao setor com a mesma frequência da volatilidade do cenário econômico e político no Brasil, já que são modelos de negócio que têm relevantes variáveis macroeconômicas.

Mas deixando o curto prazo de lado, o setor de construção civil tende a se beneficiar das taxas de juros estruturalmente mais baixas no Brasil e o déficit habitacional ainda muito sério no país.

Fonte: TradeMap