Após boom, número de aberturas de capital deve ser ainda maior em 2021

Em um ano marcado pelas incertezas geradas pela pandemia, que fez o Ibovespa (principal índice de ações da bolsa brasileira) despencar mais de 40% nos três primeiros meses de 2020 e depois apresentar uma alavancagem de quase 90% até dezembro, 28 empresas decidiram abrir capital, dentre as quais duas cearenses – a farmacêutica Pague Menos e a fabricante de pás eólicas Aeris. Foi o maior número de estreias na bolsa desde 2007, quando foram registradas 64 ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês).

Com melhores perspectivas para a retomada da atividade, a expectativa é de que essa tendência continue ao longo de 2021. Até esta semana, já foram realizados sete IPOs e, até o final de março está previsto, pelo menos, mais um. Na sexta-feira (5), havia 34 registros de IPO na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

As datas para a abertura dependem da avaliação de cada empresa. A Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), por exemplo, está na fila para fazer a abertura de capital desde dezembro de 2019, mas sem data confirmada.

Mercado cearense

Quanto às empresas cearenses, o economista Ricardo Eleutério, professor de Ciências Econômicas da Universidade de Fortaleza, acredita que, além da Cagece, novas companhias deverão, em breve, abrir o capital. “Há essa possibilidade. A preparação para um IPO envolve muitas pessoas de bancos, fundos de investimentos, e as pessoas que participaram dos processos de IPOs de empresas cearenses acabaram se aproximando das empresas locais”.

Sobre os setores mais propícios, o economista Allisson Martins, coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade de Fortaleza, avalia que há oportunidades tanto para empresas de tecnologia como para as voltadas ao consumo. “Há grandes grupos varejistas regionais que deverão abrir capital neste ano. Recentemente, tivemos o Grupo Mateus, do Maranhão, que fez um IPO de grande sucesso. Na área de tecnologia, temos empresas como a Brisanet, que vem despertando grande interesse nos investidores”.

Em janeiro, o Índice de Ações Cearenses (IAC), medido pelo Núcleo de Pesquisas Econômicas (Nupe) da Universidade de Fortaleza, apresentou um crescimento de 3,62% enquanto o Ibovespa registrou uma queda de 3,32% impactado por preocupações com o cenário fiscal do governo brasileiro.

Atratividade da bolsa

Entre os fatores que vêm contribuindo para a grande quantidade de IPOs nos últimos meses, é possível destacar as taxas de juros em patamares historicamente baixos, o aumento de liquidez no mercado e o maior número de participantes no mercado de capitais.

Na avaliação de Rogério Santana, diretor de Relacionamento com Clientes da B3, do lado da demanda, há hoje uma busca por novos ativos e novas oportunidades tanto para investidores institucionais quanto para individuais, que estão cada vez mais assumindo a gestão ativa de suas próprias poupanças e diversificando ativos para compor seus portfólios.

“Do lado da oferta, com a valorização do preço das ações puxada pela demanda, o mercado de capitais tem se tornado uma opção atrativa para as empresas”, diz Santana.

Cenário econômico

A baixa taxa de juros, tendência que deve permanecer pelos próximos meses, levou a pessoa física a buscar maior rentabilidade em investimentos mais arriscados, como os da renda variável. Já as políticas adotadas para amenizar os efeitos da pandemia, como auxílios governamentais, aumentaram o volume de recursos disponíveis no mercado.

“Todo o contexto da pandemia fez com que as políticas macroeconômicas, não só no Brasil, fossem na direção da flexibilização monetária. A grande estratégia foi a redução das taxas de juros, o que fez com que os investidores tivessem um apetite maior a risco”, aponta Martins.

“Por outro lado, as empresas, nesse cenário conturbado, foram em busca de novas estratégias para prover liquidez aos seus caixas. Elas viram que tinham basicamente duas alternativas: buscar financiamento bancário, o que está difícil; ou por meio do mercado de capitais, via IPO ou via follow-on (quando uma empresa que já é de capital aberto coloca à venda mais ações do mercado)”, destaca.

Se os 28 IPOs realizados em 2020 movimentaram R$ 47,7 bilhões, os 25 follow-on foram responsáveis pela captação de R$ 73,962 bilhões, o terceiro maior volume desde 2004. “Tivemos IPO que captou mais de R$ 1 bilhão, valor que seria praticamente impossível de conseguir em um banco. Embora a oferta de crédito tenha crescido, as grandes operações de captação foram viabilizadas pelo mercado de capitais”, diz Martins.

Expectativa para 2021

De acordo com a B3, há cerca de 40 empresas que iniciaram o processo de abertura de capital em 2020 e cujo processo de IPO está em análise. Hoje, a B3 tem 412 empresas listadas.
“Há uma perspectiva de que cerca de dez empresas façam seus IPOs ainda no primeiro trimestre deste ano. Mas temos informações de que essa lista pode receber novas entrantes em 2021. Há potencial para repetir ou superar o volume de ofertas de 2020”, diz Rogério Santana.

Mesmo com a sinalização do Banco Central de que deverá elevar a taxa básica de juros (Selic) ao longo do ano, Eleutério diz que a bolsa continuará atrativa se comparada com a rentabilidade da renda fixa.

“Para os padrões históricos, a Selic continuará baixa e, a depender da inflação, o juro real deverá ficar perto de zero. Temos um ambiente ainda adverso com risco fiscal, sanitário e risco político. Mas até pouco tempo atrás nós tínhamos cerca de 500 mil investidores cadastrados na bolsa, agora temos mais de três milhões. E as empresas estão aproveitando isso para captar recursos e se expandir”, diz.

Fonte: Diário do Nordeste