Alta de custos faz varejo enxugar estoques, enquanto indústrias lidam com excesso de produtos
Os varejistas estão enxugando os estoques. Depois de incentivar o pagamento à vista por meio do Pix, uma forma de gerar mais caixa, essa é mais uma saída encontrada pelo comércio para imobilizar menos dinheiro em produtos nas prateleiras das lojas. Com isso, o varejo tenta escapar dos juros elevados do crédito para capital de giro, destinado a pagar contas do dia a dia.
Na ginástica para driblar o custo financeiro, turbinado pelo juro básico hoje em 13,75% ao ano, quem perde de imediato é a indústria. Com a redução das compras do varejo, fabricantes veem o volume de mercadorias crescer em seus armazéns.
Na semana passada, a empresária Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, durante reunião com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, com empresários do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), citou os estoques acumulados pelas indústrias como efeito dos juros altos, que afetam as vendas no varejo. “O varejo puxa tudo, a indústria, a construção. Estamos tendo excesso de produtos. As indústrias não têm onde colocar (os produtos)”, disse.
A freada nas compras do varejo aparece na Sondagem do Comércio da Fundação Getulio Vargas (FGV). Em maio, por exemplo, a fatia de empresários do comércio com estoques indesejados estava em 13,7%, o menor nível desde novembro de 2022.
Também o custo financeiro elevado foi apontado por quase um quarto dos comerciantes (23,8%) como fator limitante para tocar o negócio. Foi o maior resultado para esse quesito em todos meses de maio desde 2016.
Já na indústria, desde setembro o indicador de estoques está acima de 100, revelando um acúmulo indesejado de produtos, mostra a Sondagem da Indústria de Transformação da FGV. Dos 19 segmentos da indústria pesquisados, 12 acumulam um volume de estoques acima do desejado.
“Estoques têm sido um problema há algum tempo”, afirma Stéfano Pacini, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, responsável pela sondagem da indústria.
O que chama a atenção neste momento, segundo o economista, é que o acúmulo de produtos não diz respeito a um setor ou outro. Mais da metade dos segmentos (63%) da indústria de transformação está afetada pelo acúmulo de estoques. A situação atual reflete, na sua opinião, o contexto macroeconômico de juros elevados, que inibem as compras do consumidor e enfraquecem a demanda e, consequentemente, afetam a cadeia de produção.
Pacini lembra que, no pico da pandemia, a indústria enfrentou escassez de insumos e os estoques ficaram vazios. Hoje, no entanto, o contexto é diferente. “Estamos vendo um esfriamento da demanda e um acúmulo de mercadorias.”
Setores mais estocados na indústria
Na lista dos segmentos da indústria mais críticos no acúmulo de estoques em maio, constavam alimentos, química, informática, máquinas e materiais elétricos – que incluem os eletrodomésticos –, informática e eletrônicos, aponta a sondagem da FGV.
“O nosso estoque aumentou porque não prevíamos que houvesse por parte do varejo redução nas compras”, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato.
No primeiro trimestre deste ano, as vendas da indústria elétrica e eletrônica para o varejo caíram 6% em relação a igual período do ano anterior e a produção física recuou 7,4%, na mesma base de comparação.
Em abril, a fatia de indústrias associadas à entidade que tinha estoques acima de normal era de 40%, ante 29% no mesmo mês do ano anterior. No caso dos estoques de produtos acabados, de fevereiro para março já tinha subido de 33% para 39% o número de empresas com estoques acima do normal. E, em abril, esse índice foi mantido.
Nas contas de Barbato, a indústria deve levar entre 90 e 120 dias para ajustar a produção, com redução de compras de componentes importados e, em última instância, corte de turnos e de pessoal. Aliás, algo que já começou a acontecer, porém de forma incipiente.
A indústria química diz que o aumento de estoques apontado na sondagem da FGV pode ser pontual. “Não costumamos trabalhar com estoque alto, porque é muito caro”, afirma a diretora da Economia e Estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fátima Giovanna Coviello Ferreira.
No entanto, ela observa que os dados do setor neste ano até abril mostram que as fábricas operam com “baixa carga”. Em média, a ocupação da capacidade instalada está em 70%, o menor nível da série histórica iniciada em 1996.
Fátima diz que seria preciso baixar os juros, no momento oportuno, para estimular a economia na ponta. A indústria química está na base da cadeia produtiva de grandes setores, como o automobilístico, a construção civil, indústria de alimentos, calçados, cosméticos, por exemplo. “No momento em você começa a estimular a economia, isso vai puxar todos os demais segmentos”, afirma, destacando que a indústria química é um termômetro da atividade.
“Com a queda da inflação, está sendo criado um ambiente propício para a redução dos juros e essa é a nossa expectativa para o segundo semestre diz Barbato, da Abinee. Além dos juros em alta, ele aponta a falta de renda do consumidor que tem optado por celulares mais baratos. Esse foi outro fator que pesou na queda do faturamento do setor.
Rodolpho Tobler, economista responsável pela sondagem do comércio da FGV, diz que é esperada uma redução dos juros pelos empresários do varejo. Mas como esse movimento não deve ocorrer rapidamente, os varejistas buscam outras estratégias para equilibrar os negócios. “Aliviar estoques é uma forma de fugir do custo financeiro”, diz.
Supermercados enxugam
No segmento de supermercados, onde a maior parte dos itens vendidos são alimentos, um setor crítico no acúmulo de estoques indesejados, segundo a sondagem da indústria da FGV, o ajuste está em curso.
Celso Kayo, gerente geral comercial da rede de supermercados Hirota, conta que as vendas dos supermercados em geral desaceleraram do primeiro para o segundo trimestre deste ano e isso provocou uma alta nos estoques do varejo alimentar. O giro de estoque do mercado, que antes era de 28 dias, subiu para 32 dias. “Aí, a ordem é parar de comprar”, afirma.
O Hirota, por exemplo, que tem 140 lojas, entre supermercados, lojas de conveniência e em condomínios, já conseguiu ajustar os estoques ao volume menor de vendas. “Reduzimos as compras da indústria, mas continuamos com mercadoria suficiente para não termos ruptura (falta de produto nas prateleiras)”, explica o executivo.
Sébastien Durchon, sênior advsior de Varejo e Bens de Consumo da consultoria Olivier Wyman, confirma que há um movimento claro dos varejistas para reduzir estoques. Uma das razões é diminuir o custo financeiro que está “destruindo” boa parte do resultado líquido dos varejistas
No entanto, ele destaca que se trata de uma estratégia arriscada. Isso porque se o varejo fica sem produto na prateleiras, perde venda. Por isso, observa Arnaud Dusaintpère, sócio de Varejo e Bens de Consumo da consultoria, é preciso ter um ajuste fino, usando ferramentas de inteligência artificial, entre outras, para prever a demanda e o volume de estoque adequado.
Para Durchon, além do custo financeiro, elevado, há dois outros fatores que são favoráveis ao varejo para cortar estoques. Um deles é o consumo fraco. “Não é uma boa notícia, mas isso ajuda reduzir estoques”, diz.
Outro fator é a desaceleração da inflação e a chance de, em alguns itens, ocorrer deflação nos preços. Os varejistas não querem correr o risco de comprar um produto por um valor maior e ter de vendê-lo por um preço abaixo do custo. “Essa é mais uma razão para reduzir o estoque, esperar a inflação recuar e voltar às compras no futuro.”