A história perdida da arquitetura brasileira dos retornados à África

Fotógrafo foi ao Benim e à Nigéria buscar construções feitas por escravos que voltaram ao seu continente de origem

Digite “Porto Novo”, capital do Benim, no Google, e a primeira imagem que aparecerá é a da principal mesquita da cidade. Será fácil notar, contudo, que na construção faltam elementos básicos de um templo muçulmano. Por exemplo, no lugar de uma única torre, o minarete, de onde são anunciadas as cinco orações diárias, há duas torres emparelhando um frontispício triangular. É a Grande Mesquita do Porto Novo, mas mais parece uma igreja colonial do bairro histórico do Pelourinho, em Salvador, na Bahia. E não é um acaso. A construção é obra dos retornados, ex-escravos que, a partir do começo do século XIX, fizeram o caminho inverso do Brasil para a África.

É essa história da arquitetura brasileira na África ocidental, especialmente no Benim e Nigéria, que o fotógrafo Tatewaki Nio foi buscar depois de vencer a Bolsa de Fotografia Zum, do Instituto Moreira Salles, em 2017 – e que atualmente tem uma nova edição com inscrições abertas até 29 de junho (mais informações abaixo). A partir de 1835, com a expulsão de centenas de escravos do Brasil depois da revolta dos malês, em Salvador, estima-se que cerca de sete mil indivíduos retornaram à África por diferentes motivos. Tanto Benim, quanto Nigéria, são os países que mais receberam retornados, os responsáveis pela construção não apenas da mesquita de Porto Novo, mas de muitos outros edifícios com características brasileiras.

O fotógrafo japonês, que vive no Brasil há vinte anos, interessou-se de imediato pela história que conheceu através de uma série de fotografias de Pierre Verger, que ilustra o livro Da Senzala ao Sobrado: Arquitetura Brasileira na Nigéria e na República Popular do Benim, de Marianno Carneiro da Cunha. Com as imagens em mãos e com poucas referências geográficas, Nio partiu para a Nigéria em busca das casas retratadas. Encontrou muitas delas ainda em pé e arrepiou-se ao vê-las ao vivo, em cores. Para ele, até mais impressionante do que essa busca, foi ver outras inúmeras construções que compõem verdadeiras cidades brasileiras no interior dos dois países, em cidades como Ibadan, Ilê Ife, Abeokuta e Osogbo. “Não tenho como provar que foram construídas por retornados, mas com certeza sofreram influências”, diz.

A história de Nio, um capítulo à parte, explica muito de seu interesse pelos retornados em seu projeto que batizou de Na Espiral do Atlântico Sul: o fotografo é filho de imigrantes que vieram ao Brasil, mas acabaram eles próprios retornando ao Japão antes de seu nascimento. O país, contudo, nunca saiu de sua casa. Estava presente nas conversas e também na vitrola que tocava Gal, Caê e Roberto Carlos. Como se não bastasse, aos 11 anos se mudou com a família para a Tanzânia, onde viveu por dois anos. África e Brasil habitam seu imaginário desde sempre e as construções brasileiras, perdidas em continente africano, são, assim, a conexão de uma história da qual participa como um espectador privilegiado.

Fonte: Obra 24horas